Incêndios em Los Angeles: o que engenheiros e arquitetos precisam saber sobre os eventos climáticos extremos

Os eventos climáticos extremos têm se tornado uma realidade cada vez mais frequente, evidenciando lacunas significativas no planejamento urbano e na resiliência das infraestruturas construídas. Entre os casos mais emblemáticos, destacam-se os incêndios florestais e os ventos extremos que, simultaneamente, atingiram Los Angeles no início de 2025. Esses eventos expuseram não apenas a vulnerabilidade das áreas urbanas da região, mas também a necessidade urgente de engenheiros e arquitetos reavaliarem suas abordagens no desenvolvimento de projetos.

As lições aprendidas com os eventos de Los Angeles transcendem as fronteiras dos Estados Unidos. No Brasil, embora os desafios climáticos assumam características diferentes, como enchentes, deslizamentos e secas severas, o impacto nas estruturas urbanas é igualmente preocupante. Esses fenômenos reforçam a importância de revisar normas técnicas e incorporar práticas preventivas que já estão sendo aplicadas em outros países. A implementação de estratégias globais, adaptadas às particularidades locais, é essencial para aumentar a resiliência das cidades brasileiras.

Este texto busca evidenciar como essas situações refletem tendências globais de mudanças climáticas e destacar o papel crucial da comunidade técnica em se preparar para mitigar os impactos de eventos cada vez mais intensos e frequentes. A análise do exemplo de Los Angeles oferece um ponto de partida valioso para discutir a adaptação necessária nos contextos regional e global.

Por fim, o objetivo aqui não é debater as origens das mudanças climáticas, sejam elas provocadas pela ação humana ou inerentes ao ciclo histórico do planeta. O foco está em reconhecer que essas mudanças estão ocorrendo e que a consideração de seus impactos no planejamento e na construção já está atrasada.

Contexto e impactos dos incêndios em Los Angeles

Em janeiro de 2025, Los Angeles enfrentou uma das mais severas temporadas de incêndios florestais da sua história. Alimentados por ventos de até 160 km/h, vários incêndios simultâneos devastaram mais de 16.300 hectares, destruíram aproximadamente 12.400 edifícios e deixaram cerca de 180.000 residências sem energia elétrica.

Com 25 vítimas fatais até o momento dessa publicação, vários desaparecidos e mais de 200.000 evacuados, o cenário destacou a vulnerabilidade das infraestruturas urbanas e os desafios impostos pelos eventos climáticos extremos.

Esses incêndios foram agravados pela seca prolongada que afetou a Califórnia em 2024, uma consequência direta das mudanças climáticas globais. A ausência de chuvas por meses consecutivos deixou o terreno extremamente seco, criando condições ideais para a propagação rápida e descontrolada do fogo, não se sabe ainda se natural ou provocado. A conjugação de fatores naturais e mudanças climáticas ampliou os impactos, revelando a importância de estratégias robustas de prevenção e contenção.

A análise dos incêndios florestais na Califórnia e suas implicações técnicas e ambientais pode ser utilizada para ilustrar a relação entre mudanças climáticas, fatores geofísicos e impactos nas construções e infraestrutura. O incêndio se espalha mais rapidamente devido a vários fatores, entre eles os ventos catabáticos, conhecidos na Califórnia como “Ventos de Santa Ana” ou “Ventos do Diabo”. Estes ventos são intensificados pela diferença de temperatura e densidade do ar entre as regiões montanhosas e os vales, o que, aliado à vegetação seca, facilitou a propagação do fogo com uma velocidade alarmante.

“Um vento catabático (da palavra grega katabatikos que significa “descendo colinas”) é o nome técnico dado a um vento que transporta ar de alta densidade de uma elevação descendo a encosta devido à ação da gravidade.

Fonte: Wikipedia. https://pt.wikipedia.org/wiki/Vento_catab%C3%A1tico. Acesso 14 jeneiro 2025.”

Do ponto de vista técnico, o aumento da frequência e intensidade desses ventos catabáticos, combinados com períodos prolongados de seca e temperaturas elevadas, altera a dinâmica de propagação dos incêndios, tornando-os mais rápidos e devastadores. Isso impõe desafios adicionais para o planejamento urbano e a construção civil, especialmente em regiões suscetíveis a incêndios. Os ventos fortes, que atingiram até 160 km/h, na média ficaram em 90 km/h, exigem que as construções, especialmente as em áreas de risco, sejam projetadas com resistência ao fogo e aos impactos de ventos extremos. Mas apenas isso não é suficiente, conforme discuti-se à frente.

Além disso, o aumento da área queimada e a intensificação dos incêndios, como evidenciado pelos dados do Cal Fire (https://www.fire.ca.gov/), são reflexos de um fenômeno global que conecta as mudanças climáticas à atividade humana. Como as áreas queimadas têm aumentado significativamente, a construção de infraestrutura em regiões de risco precisa levar em consideração não apenas a resistência estrutural, mas também o gerenciamento sustentável e a prevenção de desastres, áreas em que a engenharia civil e arquitetura desempenham papéis cruciais.

Em termos de tecnologia aplicada, os métodos de construção que incorporam resistência a incêndios, como o uso de materiais não inflamáveis, e o controle do uso do solo, visando evitar a ocupação excessiva em áreas de risco, se tornam cada vez mais relevantes. Além disso, a construção de barreiras naturais ou artificiais para contenção de incêndios e a implementação de estratégias de gestão florestal, devem ser contempladas em projetos de infraestrutura pública e privada em regiões vulneráveis.

Esses fatores tornam-se essenciais para compreender as crescentes exigências para projetar, construir e manter infraestruturas em um mundo cada vez mais suscetível a desastres naturais exacerbados pelas mudanças climáticas. A integração de práticas de prevenção e mitigação ao longo de todo o ciclo de vida das construções será vital para lidar com os desafios que as mudanças climáticas e os incêndios florestais impõem ao setor.

Desafios técnicos e operacionais na resposta aos incêndios

A resposta aos incêndios em Los Angeles enfrentou desafios significativos. Os ventos fortes não apenas dificultaram as manobras de aeronaves e equipes terrestres, mas também aceleraram a propagação das chamas, tornando o controle dos incêndios quase impossível em algumas áreas. Além disso, as condições climáticas extremas ampliaram os riscos para as equipes de resgate e complicaram a logística de evacuação.

Outro ponto crítico foi a insuficiência de infraestruturas resistentes ao fogo. Muitas construções, especialmente em áreas suburbanas, não atendiam aos padrões modernos de segurança contra incêndios, contribuindo para o número elevado de estruturas destruídas. Esse cenário reforça a necessidade de revisar normas técnicas e incorporar tecnologias avançadas de construção que aumentem a resiliência das edificações.

Lições aprendidas e aplicações no contexto brasileiro

O exemplo de Los Angeles oferece lições valiosas para o Brasil, onde eventos climáticos extremos, como enchentes, deslizamentos e secas, também têm provocado perdas significativas. Entre as principais lições, destaca-se a importância de:

  • Implementar sistemas de monitoramento climático que permitam prever e mitigar desastres. Sistemas como o AdaptaBrasil MCTI e o Sistema de Alerta Hidrológico são essenciais para prever e mitigar desastres naturais. Esses sistemas utilizam dados em tempo real para emitir alertas sobre possíveis transbordamentos e crises de abastecimento de água.
  • Revisar normas técnicas para incluir cenários extremos, considerando fatores regionais. A adaptação das normas técnicas para incluir cenários extremos é crucial. Isso envolve a revisão de padrões de construção, códigos de obras e parâmetros climáticos para tornar a infraestrutura mais resiliente. Discute-se à frente a revisão das isopletas da NBR 6123. A incorporação do “olhar climático” nos planos de ação para projetos de infraestrutura é fundamental para enfrentar os novos padrões climáticos
  • Promover a conscientização da população sobre os riscos e as medidas preventivas. A conscientização sobre os riscos climáticos e as medidas preventivas é vital. Campanhas educativas e programas de treinamento podem ajudar a população a se preparar melhor para eventos extremos

No Brasil, o fortalecimento de sistemas de drenagem, o planejamento urbano integrado e o uso de materiais de construção resilientes são medidas essenciais para enfrentar os desafios impostos pelos eventos climáticos extremos.

A colaboração entre governo, setor privado e comunidades é fundamental para desenvolver estratégias eficazes de adaptação e mitigação, É necessário entender que estamos vivendo em uma nova era.

Normas internacionais e a adaptação às mudanças climáticas: desafios e inovações

A comunidade técnica internacional tem avançado significativamente na incorporação dos eventos climáticos extremos nas normas e práticas de construção. Nos Estados Unidos, por exemplo, houve uma recente atualização dos códigos de construção, incluindo padrões mais rigorosos para resistência a incêndios e ventos. Na Europa, a revisão de diretrizes urbanísticas tem focado na resiliência climática, promovendo o uso de tecnologias sustentáveis como uma forma de enfrentar os desafios ambientais.

Para considerar eventos climáticos extremos em projetos, especialmente em locais sem dados históricos confiáveis, o meio técnico mundial tem adotado abordagens inovadoras. Modelos climáticos avançados, por exemplo, são utilizados para simular cenários futuros, levando em conta variáveis como aumento de temperatura, padrões de precipitação e a ocorrência de eventos extremos. Essa modelagem permite prever possíveis impactos e planejar adequadamente as infraestruturas, considerando as mudanças climáticas em andamento.

No Brasil, no entanto, a atualização de normas, como a NBR 6123, que regula a ação do vento em estruturas, ainda enfrenta desafios significativos. A falta de consenso entre os especialistas membros da comissão de revisão tem dificultado a atualização das isopletas. A manutenção de isopletas desatualizadas pode comprometer a segurança de edificações e infraestruturas, especialmente diante do aumento da frequência e intensidade dos ventos extremos.

“Enquanto as isopletas da NBR 6123 não forem atualizadas, decidi ser conservador em meus projetos que envolvem a ação do vento.”

Além disso, estudos de atribuição climática têm sido utilizados para analisar a probabilidade de eventos climáticos extremos serem influenciados pelas mudanças climáticas, fornecendo uma base científica para entender como os eventos futuros podem se comportar em um clima em mudança. A combinação de big data com inteligência artificial também tem se mostrado uma ferramenta poderosa, pois a análise de grandes volumes de dados climáticos e ambientais, juntamente com o uso de aprendizado de máquina, permite prever com maior precisão eventos extremos, como tempestades e ondas de calor.

O desenvolvimento de uma infraestrutura mais resiliente tem sido uma das prioridades em várias partes do mundo. Projetos de construção estão sendo concebidos para suportar inundações, ventos fortes e outros desastres naturais, com destaque para sistemas de drenagem e edificações capazes de resistir a esses eventos. Nesse contexto, revisar e atualizar normas técnicas e regulamentos de construção para incluir cenários de extremos climáticos é essencial para garantir a segurança das novas construções.

Por fim, a colaboração internacional tem sido crucial. A troca de conhecimentos e experiências entre países e organizações internacionais ajuda a aprimorar as práticas de adaptação e resistência às mudanças climáticas, por meio de conferências e acordos internacionais. Essas abordagens inovadoras são fundamentais para mitigar os riscos associados a eventos climáticos extremos e preparar comunidades e infraestruturas para enfrentar esses desafios, um passo crucial para a sustentabilidade no setor da construção.

Conclusão

Os eventos climáticos extremos estão redefinindo os parâmetros de segurança e resiliência no setor da construção civil. O exemplo de Los Angeles ilustra não apenas os riscos iminentes, mas também a necessidade de uma mudança de paradigma por parte de engenheiros e arquitetos. A revisão de normas técnicas, a incorporação de tecnologias avançadas e o fortalecimento da cooperação internacional são passos indispensáveis para enfrentar os desafios impostos por um cenário climático cada vez mais imprevisível.

No Brasil, o momento exige ação. A adaptação às mudanças climáticas deve ser prioridade para o setor da construção civil, considerando tanto a proteção das populações quanto a preservação de recursos econômicos e ambientais. Engenheiros e arquitetos têm um papel central nesse processo, liderando a transformação necessária para construir um futuro mais resiliente e sustentável.

Eu sou Alexandre Vasconcellos, engenheiro civil especialista em estruturas de aço pela USP, engenheiro de produção, mestre em estruturas pela Unicamp, MBA em gestão empresarial pela FIA, especialista em modelagem pela Universidade de Michigan, empreendedorismo pela Universidade de Maryland e estratégia pela Darden School. Com mais de 40 anos de experiência, ajudo pequenos e médios fabricantes de estruturas metálicas a aumentar sua eficiência e seus lucros.

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