1. Introdução
A construção modular e a pré-fabricação representam um novo paradigma na indústria da construção civil, desafiando as ineficiências das abordagens convencionais e buscando elevar o setor a um patamar mais sofisticado. Longe de ser um conceito totalmente novo, a ideia de construir fora do canteiro de obras remonta à antiguidade, mas o preconceito contra a construção pré-fabricada muitas vezes se originou de aplicações mal concebidas no passado, como as construções monótonas do Leste Europeu que ninguém deseja repetir.
No entanto, com os crescentes desafios ecológicos e econômicos que a indústria enfrenta hoje, as estruturas baseadas em sistemas construtivos e técnicas de produção pré-fabricadas estão se tornando cada vez mais importantes. A pré-fabricação não é meramente um fim em si mesma, mas um instrumento capaz de aprimorar conceitos de design abrangentes.
A referência da construção modular é definida por unidades fabricadas em ambiente fabril e, posteriormente, instaladas e conectadas no local para criar edifícios funcionais. Essa abordagem difere fundamentalmente da construção tradicional in situ, que por séculos dependeu de mão de obra intensiva e grandes quantidades de tempo. A construção no local é frequentemente ineficiente e marcada por desperdício, com estimativas superiores a 30% de todos os produtos novos levados para o canteiro de obras acabando em aterros.
As principais vantagens desse novo paradigma incluem:
• Redução do tempo de construção: a construção modular pode diminuir o período de construção em até 50% em comparação com métodos tradicionais, e cerca de 30% mesmo em projetos complexos que combinam módulos com obras no local.
• Melhoria da qualidade e da produtividade: a fabricação em ambiente fabril controlado permite maior precisão e qualidade nos elementos de concreto pré-moldado, por exemplo, em comparação com o concreto moldado no local. A produtividade é significativamente aprimorada devido à maior coordenação entre todos os envolvidos no projeto.
• Eficiência de custos: embora o investimento inicial possa ser percebido como maior, a pré-fabricação pode levar a uma redução nos orçamentos do projeto em até 20% em função da redução das despesas indiretas, redução de riscos e antecipação do retorno sobre o investimento, além de diminuir os custos de desenvolvimento do projeto para o cliente.
• Sustentabilidade e redução de resíduos: a pré-fabricação utiliza menos materiais e gera menos desperdício, oferecendo maiores oportunidades de reciclagem na produção fabril. Ela contribui para a redução do uso de energia e do carbono incorporado.
• Integração e tecnologia avançada: o avanço em outras indústrias e a adoção de tecnologias digitais como o CAD/CAM e o BIM (Building Information Modeling) tornam a pré-fabricação mais viável e capaz de alcançar um aumento complementar na qualidade do projeto e da produção.
Em resumo, o novo modelo da construção civil, centrado na construção modular e pré-fabricação, é uma abordagem sofisticada e eficiente que busca superar as limitações dos métodos tradicionais, respondendo às demandas contemporâneas por maior rapidez, qualidade, sustentabilidade e otimização de custos.
2. Conceitos fundamentais e tipologias da construção off-site
A construção off-site, em suas diversas manifestações, reconfigura fundamentalmente a maneira como os edifícios são concebidos, fabricados e montados. Para compreender plenamente esse novo paradigma na construção civil, é essencial explorar seus conceitos fundamentais e as principais tipologias que a definem. Longe de ser uma única técnica, a construção off-site é um espectro de métodos que buscam maior eficiência, qualidade e controle ao mover partes do processo construtivo para um ambiente fabril.
2.1. Conceitos Fundamentais
A terminologia na construção off-site pode ser variada, mas alguns termos são cruciais para definir as abordagens:
• Off-site Fabrication (OSF): em seu sentido mais amplo, a fabricação off-site é um processo que incorpora a pré-fabricação e a pré-montagem. Envolve o projeto e a fabricação de unidades ou módulos, geralmente remotamente do local da obra, e sua instalação para formar a obra permanente. Essencialmente, requer uma estratégia de projeto que muda a orientação do processo de construção para fabricação e instalação (ou montagem).
• Pré-fabricação: é um processo de fabricação, que geralmente ocorre em uma instalação especializada, onde diversos materiais são unidos para formar uma parte componente da instalação final. Embora o termo “pré-fabricar” tenha uma entrada no dicionário datada de 1932, indicando que a fabricação ocorria antes da montagem no local, hoje a tecnologia industrial avançou, e o termo “fabricação” poderia ser mais apropriado. No contexto deste tópico, “pré-fabricação”, “fabricação off-site” e “produção off-site” são usados de forma intercambiável para se referir a elementos de construção produzidos fora do local com um alto grau de acabamento e, posteriormente, montados no canteiro.
• Pré-montagem: refere-se a um processo no qual materiais, componentes pré-fabricados e/ou equipamentos são unidos em um local remoto para instalação subsequente como uma subunidade. Isso envolve a organização e conclusão de uma proporção substancial do trabalho de montagem final antes da instalação em sua posição definitiva, e pode ocorrer dentro ou fora do canteiro, frequentemente com o uso de padronização. Para fabricantes de estruturas metálicas este conceito é um velho conhecido.
• Construção Modular: esta é uma forma específica de fabricação off-site que utiliza unidades tridimensionais ou volumétricas, geralmente equipadas em uma fábrica e entregues no local como os principais elementos estruturais do edifício. É importante notar que o termo “módulo” no contexto de “edifício modular” se refere a essas unidades 3D, em contraste com uma definição mais antiga de “módulo” como uma unidade padrão de comprimento que controla as dimensões dos componentes e o layout de um edifício.
• Construção Planar: envolve o uso de painéis bidimensionais, utilizados principalmente para paredes, que podem ser pré-acabados com isolamento e revestimento antes da entrega no canteiro.
• Construção Híbrida: caracteriza-se pelo uso misto de elementos lineares, painéis e módulos para criar um sistema de construção combinado.
• Elementos Semiacabados: são elementos construtivos que utilizam o menor nível de pré-fabricação, sendo produzidos a partir de matérias-primas (como perfis de aço, chapas de gesso acartonado e madeira serrada) e que são neutros em relação ao sistema. Eles podem ser finalizados no local manualmente ou refinados posteriormente em uma fábrica para criar elementos mais complexos
2.2 Princípios essenciais da abordagem off-site
A adoção da construção off-site é impulsionada por princípios que visam otimizar o processo construtivo em diversas frentes:
• Controle e qualidade na fábrica: o ambiente controlado da fábrica permite uma maior precisão e qualidade nos elementos fabricados. A produção é independente das condições climáticas, o que contribui para um consistência superior de cor, textura e desempenho em elementos como o concreto pré-moldado. Além disso, a segurança no local de trabalho é aprimorada, pois grande parte do trabalho perigoso, como o trabalho em altura, é transferido para o chão de fábrica.
• Otimização do tempo e produtividade: uma das principais vantagens da fabricação off-site é a redução significativa do tempo de construção no local. Isso é alcançado pela capacidade de realizar simultaneamente atividades na fábrica (fabricação de módulos) e no canteiro (preparação do terreno, fundações). A produtividade é aumentada devido a métodos de trabalho aprimorados, tarefas repetitivas e a fácil introdução de ferramentas e técnicas especializadas em um ambiente fabril.
• Redução de riscos: a fabricação off-site permite que os riscos associados ao canteiro de obras, como atrasos devido ao clima ou problemas de coordenação da mão de obra, sejam transferidos para um ambiente fabril mais gerenciável. Os riscos conhecidos, como danos durante o transporte, tornam-se mais fáceis de gerenciar através de planejamento eficaz.
• Sustentabilidade e eficiência de recursos: A construção off-site contribui significativamente para a sustentabilidade. Ela utiliza menos materiais e gera menos desperdício em comparação com a construção tradicional, oferecendo maiores oportunidades de reciclagem na produção fabril. Além disso, há uma redução no uso de energia e carbono incorporado, bem como menos ruído, poeira e poluição no local da obra.
• Planejamento integrado e decisão antecipada: para maximizar os benefícios da fabricação off-site, é crucial que a estratégia seja definida nas fases iniciais do projeto. Isso exige uma colaboração estreita entre o cliente, as equipes de projetos e os fabricantes desde o início, movendo o processo de decisão para as etapas iniciais. Os arquitetos, nesse contexto, precisam adotar uma mentalidade mais próxima à de designers de produto.
• Padronização e flexibilidade: embora a padronização seja fundamental para a economia de escala e a eficiência na fabricação off-site, a indústria também evoluiu para permitir linhas de produção flexíveis que podem atender a requisitos de design complexos e personalizados. A fabricação off-site pode tornar projetos com formas únicas ou requisitos sustentáveis específicos viáveis, controlando a qualidade do produto final.
2.3. Tipologias da construção off-site
A abrangência da fabricação off-site pode ser classificada em diferentes níveis ou tipologias, dependendo do grau de conclusão dos elementos antes da montagem no local. Essas classificações, baseadas na proporção de valor da fabricação off-site e na redução do tempo de construção, são essenciais para entender as diversas aplicações:
• Nível 0: construção tradicional no local. Representa a abordagem convencional, onde a maior parte do trabalho é realizada diretamente no canteiro de obras, como a construção em concreto armado moldado no local ou alvenaria. Possui pouquíssima fabricação off-site, exceto por elementos básicos como janelas e portas.
• Nível 1: componentes fabricados. Introduz elementos pré-fabricados mais complexos, mas ainda como partes menores do edifício. Os componentes são produtos ajustados que podem ser materiais autônomos ou partes para construção. Permitem o maior grau de customização e flexibilidade, mas tendem a ter mais juntas e conexões no local. Exemplos disso são as treliças de telhado de madeira, lajes pré-moldadas de concreto, subconjuntos de aço, chapas de gesso acartonado, sistemas de estrutura de aço e madeira, elementos de concreto pré-moldado. Nesse caso, tipicamente a manufatura off-site representa 10-15% do custo total da obra, resultando em uma redução de 10-15% no tempo de construção.
• Nível 2: sistemas elementares ou planares. Consistem em componentes 2D ou lineares que formam montagens de estruturas e painéis de parede. Painéis bidimensionais, usados principalmente para paredes, lajes e telhados que podem ser pré-acabados com isolamento e revestimento antes da entrega no local. Exemplos disso são as estruturas metálicas, estruturas de madeira, Light Steel Frame, painéis de revestimento (vidro, metal, pedra). Nesse caso, geralmente a manufatura off-site representa 15-25% do custo total, com uma redução de 20-30% no tempo de construção.
• Nível 3: Sistemas volumétricos (Modulares). Utilizam componentes 3D na forma de módulos para criar partes importantes dos edifícios. Unidades que contêm espaço utilizável e são substancialmente completas antes de chegar ao local, exigindo pouco trabalho pós-instalação. Podem ser unidades estruturais que formam parte do edifício, ou elementos não estruturais integrados em uma estrutura maior. Exemplos: casas de máquinas pré-fabricadas, elevadores e escadas modulares, banheiros prontos, unidades de escritório ou hotel de pequeno a médio portes, unidades de varejo autônomas. A manufatura off-site varia de 30-50% do custo total, com uma redução de 30-40% no tempo de construção.
• Nível 4: Sistemas de Edifícios Completos. Representa o nível mais elevado de pré-fabricação, onde os edifícios são essencialmente totalmente acabados antes da entrega no local. Compreende componentes modulares que formam os sistemas de construção completos. Mais de 70% do custo total é off-site, levando a uma redução de 50-60% no tempo de construção.
Esses conceitos e tipologias demonstram que a construção off-site é uma abordagem dinâmica e multifacetada, capaz de se adaptar a diversas necessidades e contextos de projeto, redefinindo as práticas tradicionais da construção civil.
3. Aplicações Diversas da Construção Modular e Off-site
A Construção Modular e Off-site (Off-site Manufacture – OSM ou Off-site Fabrication – OSF) engloba uma vasta gama de técnicas de construção onde componentes, painéis ou módulos são fabricados fora do canteiro de obras, geralmente em um ambiente de fábrica controlado, e depois transportados e montados no local final. O termo “OSM” ou “OSF” é usado para cobrir tanto a pré-fabricação quanto a pré-montagem.
As aplicações diversas da Construção Modular e Off-site podem ser categorizadas com base no nível de pré-fabricação:
• Fabricação Não Volumétrica. Refere-se a elementos que não encerram espaço utilizável, como partes da estrutura, revestimentos ou dutos.
• Fabricação Volumétrica. Inclui unidades que encerram espaço utilizável, mas não constituem o edifício inteiro, como banheiros, casas de máquinas ou elevadores.
• Construção Modular. Compreende unidades que formam um edifício completo ou parte substancial dele, incluindo estrutura e envoltória, muitas vezes chegando ao local quase prontas.
Estas abordagens são impulsionadas por benefícios como redução do tempo de construção, redução dos riscos associados, melhoria da qualidade, maior produtividade, segurança aprimorada, sustentabilidade e antecipação do retorno sobre o investimento.
3.1. Aplicações Diversas da OSM e OSF
Habitação e edifícios residenciais. Moradias Unifamiliares e Multifamiliares. A construção modular é bem estabelecida para casas, especialmente onde a repetição de tamanhos de quartos e unidades é predominante, como em habitações sociais e residências estudantis. Exemplos incluem a casa Glidehouse de Michelle Kaufmann, o projeto MoHo em Manchester com módulos parcialmente abertos, e os desenvolvimentos de CUB Housing que permitem expansão conforme as necessidades do usuário.
Hotéis. É um dos setores principais onde a construção modular provou ser muito econômica, especialmente para hotéis de até 4 andares, devido à repetição de quartos. As unidades chegam ao local praticamente completas, com acabamentos e instalações.
Alojamento militar. Usada para alojamentos seguros, muitas vezes com módulos de estrutura de aço leve ou concreto pré-moldado, visando reduzir a força de trabalho no local e acelerar a construção.
Hospitais. Unidades especializadas e edifícios completos. Hospitais e instalações de saúde utilizam a construção modular para salas especializadas ou edifícios inteiros. A principal vantagem é a instalação e verificação de serviços complexos e equipamentos médicos em condições controladas de fábrica. Isso é crucial para reduzir a interrupção em hospitais existentes.
Salas de cirurgia e laboratórios. Módulos podem ser grandes e com laterais abertas para acomodar salas de cirurgia ou laboratórios com equipamentos especializados e serviços pré-instalados.
Escolas. Salas de aula e extensões. Utilizada para criar espaços de aprendizagem rapidamente. Módulos de laterais abertas podem formar salas de aula maiores. A abordagem off-site é valorizada pela rapidez e minimização de interrupções na vida acadêmica
Supermercados e unidades de varejo. O sistema modular de grandes vãos tem sido usado para supermercados, especialmente em locais remotos ou de alto valor onde a velocidade e a minimização de interrupções são cruciais. Quiosques, unidades de varejo menores e postos de gasolina também são frequentemente construídos de forma modular devido à padronização e rapidez de instalação.
Prisões. Unidades de concreto pré-moldado são comumente usadas devido à sua resistência a danos e capacidade de integrar instalações de segurança.
Salas de máquinas e Unidades de serviço. Módulos podem ser projetados para aplicações especializadas, como elevadores, escadas, varandas e extensões de telhados.
Pontes e Fundações. Projetos de engenharia civil usam elementos pré-moldados de concreto ou estruturas de aço pré-montadas.
Subestações elétricas e geradores. Em muitos projetos esses serviços podem ser pré-montados fora do local.
Equipamentos de processo modularizados: A “modularização” é amplamente utilizada, onde grandes unidades volumétricas de equipamentos de processo são pré-montadas fora do local. Isso inclui turbinas, equipamentos de remoção de gás, compressores etc.. A localização remota e a necessidade de condições de fábrica controladas impulsionam o uso de OSF neste setor. O projeto da Singapore Aromatics Plant é um exemplo de mais de 200 módulos entregues ao local.
Dutos e tubulações pré-fabricadas. Inclui tubulações pré-fabricadas, módulos de distribuição de vários serviços e shafts de serviço verticais. A reforma da NatWest Tower em Londres utilizou pré-fabricação para 80% dos serviços verticais e horizontais.
Casas de máquinas e unidades de tratamento de ar. Exemplos incluem casas de máquinas, unidades de tratamento de ar e casas de caldeiras.
Alojamento de emergência e provisório. Unidades pré-fabricadas podem ser projetadas para serem reutilizadas ou realocadas, respondendo a necessidades de mercado variadas, como acomodações de curto prazo para eventos esportivos ou desastres.
Unidades de varejo relocáveis. Sistemas de hotéis, como os Travelodge Hotels, são projetados para serem relocáveis para diferentes locais conforme a necessidade.
Máxima pré-fabricação. Em projetos localizados longe dos centros urbanos ou de fontes adequadas de materiais e mão de obra, a máxima pré-fabricação é geralmente um requisito para reduzir o trabalho no local.
Em resumo, a Construção Modular e Off-site está se tornando uma abordagem preferencial em diversos setores devido à sua capacidade de oferecer velocidade, qualidade, controle de custos, segurança e benefícios de sustentabilidade em ambientes de construção cada vez mais complexos e restritivos. A flexibilidade do processo permite a adaptação para uma ampla gama de necessidades arquitetônicas e funcionais e todo Arquiteto e Engenheiro deve se aprofundar nesses conceitos e técnica.
Referências
STAIB, Gerald; DÖRRHÖFER, Andreas; ROSENTHAL, Markus. Components and systems: modular construction design structure new technologies. München: Edition DETAIL – Institut für internationale Architektur-Dokumentation GmbH & Co. KG; Basel: Birkhäuser, 2008.
LAWSON, R. Mark; OGDEN, Ray G.; GOODIER, Chris I. Design in modular construction. Boca Raton, FL: CRC Press Taylor & Francis Group, 2014.
GIBB, Alistair G.F. Off-site fabrication: prefabrication, pre-assembly and modularisation. Caithness, Scotland, UK: Whittles Publishing, 1999.
Eu sou Alexandre Vasconcellos, engenheiro civil especialista em estruturas de aço pela USP, engenheiro de produção, mestre em estruturas pela Unicamp, MBA em gestão empresarial pela FIA, especialista em modelagem pela Universidade de Michigan, empreendedorismo pela Universidade de Maryland e estratégia pela Darden School. Executivo da construção com mais de 40 anos de experiência, ajudo pequenos e médios fabricantes de estruturas metálicas a aumentar sua eficiência e seus lucros.
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