Ao longo da minha trajetória profissional, executei diversas obras com estacas pré-fabricadas em concreto protendido para fundações de estruturas portuárias. Esse tipo de estaca se mostrou uma solução altamente eficaz, especialmente em ambientes desafiadores como a região portuária de Santos.
Por que não moldadas in loco?
Na Baixada Santista, o subsolo é composto por espessas camadas de argila marinha extremamente mole e compressível, com baixa resistência ao cisalhamento e alta suscetibilidade a recalques diferenciais. Nesse cenário, estacas moldadas “in loco” — como hélice contínua ou escavadas — apresentam limitações técnicas significativas, tanto para perfuração quanto para controle de qualidade do concreto lançado.
As estacas pré-fabricadas cravadas com martelo vibratório ou hidráulico são capazes de atravessar essas camadas e alcançar o solo resistente com muito mais precisão e eficiência. Além disso, permitem maior controle tecnológico na fabricação, conferindo qualidade superior ao produto final.
Agressividade ambiental e durabilidade
É preciso destacar que o ambiente marinho impõe um desafio adicional: a agressividade química da água salgada. Os íons de cloreto promovem o fenômeno de oxirredução nas armaduras, gerando corrosão acelerada e comprometendo a vida útil da fundação. Segundo Adam M. Neville, no clássico “Propriedades do Concreto”, quatro aspectos são fundamentais para evitar a corrosão em estruturas de concreto armado:
- Cobrimento adequado das armaduras — mas sem provocar fissuras por retração;
- Baixa relação água/cimento — preferencialmente abaixo de 0,5;
- Alta resistência do concreto — o que diminui a porosidade e a penetração de cloretos;
- Prevenção de fissuras — com detalhamento adequado e uso de protensão.
Dessa forma, minha recomendação é utilizar estacas especiais para obras portuárias, com os seguintes critérios:
- Cobrimento mínimo de 3 cm (superior aos 2 cm exigidos pela NBR 16258);
- Concreto com fck ≥ 40 MPa;
- Relação a/c ≤ 0,43;
- Uso de protensão para minimizar fissuração;
- Controle rigoroso de qualidade do concreto e cura prolongada.
Além disso, recomendo a aplicação de aditivos inibidores de corrosão ou a incorporação de sílica ativa e pozolanas, que ajudam a refinar os poros e aumentar a resistência química do concreto.
Tração durante a cravação
Um ponto crítico é o esforço de tração reversa durante a cravação, quando a ponta da estaca penetra a argila mole, enquanto o fuste ainda encontra resistência na areia compacta superior. Isso exige verificação estrutural rigorosa da estaca à tração, o que nem sempre é feito com a devida atenção em obras convencionais.
Exigência de jateamento e pré-furos
Em muitos pontos do Porto de Santos, devido à presença de matacões ou camadas extremamente compactas, pode ser necessária a execução de pré-furos com bentonita ou o uso de jato d’água, especialmente em trechos com SPTs elevados ou blocos resistentes, que dificultam a cravação direta.
Perfis geotécnicos: experiência de campo
Compartilho abaixo algumas experiências reais em obras executadas:
1. Granel Química – Alemoa
- Camadas: aterro arenoso (5 m), argila marinha (25 m), areia média pouco compacta, nova camada de argila, e areia compacta ao final.
- Solução: estacas cravadas até a última camada com reforço para suportar tração intermediária.
2. Teaçu – Armazém 19
- Camadas: aterro com matacões (8 m), areia compacta (5 m), seguida de argila marinha mole até 45 m.
- Solução: pré-furo com bentonita. Estacas projetadas para grande profundidade e agressividade química.
3. ADM – Armazém 39
- Camadas: aterro (10 m), argila marinha, areia siltosa compacta a muito compacta (7 m), argila e nova areia até 40 m.
- Solução: reforço estrutural em estacas de 45 cm de diâmetro para suportar 140 tf. Provas de carga estática e dinâmica confirmaram o desempenho.
Considerações finais
O perfil geotécnico do Porto de Santos é extremamente heterogêneo. Mesmo áreas próximas entre si podem ter variações expressivas na profundidade e espessura das camadas de solo, o que exige análise individualizada de cada sondagem e projeto específico para cada obra.
Portanto, utilizar estacas pré-fabricadas de concreto protendido, com detalhamento voltado à agressividade ambiental e resistência à tração, é uma das soluções mais seguras, duráveis e produtivas para fundações portuárias no Brasil.
Eu sou Alexandre Vasconcellos, engenheiro civil especialista em estruturas de aço pela USP, engenheiro de produção, mestre em estruturas pela Unicamp, MBA em gestão empresarial pela FIA, especialista em modelagem pela Universidade de Michigan, empreendedorismo pela Universidade de Maryland e estratégia pela Darden School. Executivo da construção com mais de 40 anos de experiência, ajudo pequenos e médios fabricantes de estruturas metálicas a aumentar sua eficiência e seus lucros.
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