Uso de estruturas em Light Steel Framing sujeitas a sismo de acordo com o Eurocódigo

O Light Steel Framing (LSF) é um sistema construtivo que utiliza perfis formados a frio de aço estrutural galvanizado de baixa espessura, combinando leveza, resistência e sustentabilidade. Sua crescente adoção na construção civil se deve à rapidez de montagem e eficiência estrutural, tornando-o uma alternativa viável a sistemas tradicionais. No entanto, sua aplicação em regiões sísmicas exige um projeto detalhado para garantir segurança estrutural e desempenho adequado. Este artigo explora os princípios de dimensionamento sísmico para estruturas LSF conforme o Eurocódigo 8 (EC8) e o Eurocódigo 3 (EC3), abordando critérios de segurança, estratégias de projeto e estudos de caso.

Introdução ao Light Steel Framing (LSF)

O LSF é um sistema construtivo que consiste em perfis de aço formados a frio (cold-formed steel), montados em painéis estruturais revestidos com placas de OSB, gesso acartonado, chapas cimentícias ou outros materiais. Suas vantagens incluem:

  • Leveza: reduz cargas gravitacionais e, consequentemente, forças sísmicas.
  • Velocidade de construção: montagem modular.
  • Sustentabilidade: reciclabilidade do aço e redução de resíduos.

Entretanto, em zonas sísmicas, a flexibilidade e a capacidade de dissipação de energia do sistema são críticas para garantir segurança.

Requisitos do Eurocódigo para considerar as ações sísmicas nas estruturas

O Eurocódigo 8 (EN 1998-1) estabelece diretrizes para estruturas resistentes a sismos, enquanto o Eurocódigo 3 (EN 1993-1-3) trata especificamente de perfis de aço formados a frio.

Comportamento Estrutural e Fatores de Comportamento (q)

O EC8 classifica estruturas com base em sua ductilidade:

  • Classe de Dutilidade Baixa (DCL): fator de comportamento q=1,5.
  • Classe de Dutilidade Média (DCM): q=2,0 a 3,0.
  • Classe de Dutilidade Alta (DCH): q=4,0 a 5,0.

Para LSF, valores de q entre 2,0 e 3,0 são típicos, dependendo da capacidade de redistribuição de esforços e do detalhamento das ligações. O EC8 (§6.2) especifica que edifícios não regulares em altura devem reduzir os valores de q em 20%.

O problema das seções Classe 4 e a ductilidade

O EC8 (§6.2) exige que elementos estruturais em zonas dissipativas (onde ocorre deformação plástica durante um sismo) tenham ductilidade suficiente para redistribuir esforços sem falha prematura. No entanto, seções Classe 4, por sua natureza esbelta, são propensas a flambagem local ou distorcional antes de atingir a plastificação, reduzindo sua capacidade de dissipação de energia. Isso parece contraditório com os requisitos do EC8, que privilegia elementos com comportamento dúctil.

– O Que Diz o Eurocódigo?

  • O EC8 (§6.1.3) afirma que elementos em zonas dissipativas devem ter seções transversais Classe 1, 2 ou 3.
  • Seções Classe 4 são permitidas apenas em zonas não dissipativas ou se forem reforçadas para evitar flambagem prematura.

Entretanto, o EC8 faz concessões para sistemas leves, como o LSF, apesar de especificamente não cita-lo, desde que:

  • A dissipação de energia ocorra em elementos específicos (ex.: ligações, painéis de revestimento).
  • A flambagem local seja mitigada por revestimentos rígidos (ex.: OSB, placas cimentícias) que atuem como painéis estabilizadores.

Dessa forma, há estratégias para contornar a limitação das seções Classe 4

– Uso de revestimentos como estabilizadores

Os revestimentos (OSB, placas metálicas etc.) podem ser considerados como elementos de estabilização lateral, restringindo a flambagem dos perfis. O EC3-1-3 (§5.5.3) permite que a contribuição dos revestimentos seja incluída no cálculo da resistência à flambagem, desde que:

  • O revestimento esteja rigidamente fixado ao perfil.
  • A fixação respeite espaçamentos máximos (ex.: parafusos a cada 150 mm).

– Projeto com Fator de Comportamento (q) reduzido

Se as seções Classe 4 não puderem ser evitadas em zonas dissipativas, o fator de comportamento sísmico q deve ser reduzido (EC8 §6.1.3(6)). Por exemplo:

  • Para LSF com revestimento contínuo: q≤2,0.
  • Isso implica em forças sísmicas maiores no dimensionamento, compensando a menor ductilidade.

– Dissipação de energia nas Ligações

Outra estratégia é deslocar a dissipação de energia para componentes específicos, como:

  • Chapa de ligação dissipativas: deformáveis e substituíveis (ex.: “fusíveis sísmicos”).
  • Parafusos com folga controlada: permitem rotação e absorção de energia sem danificar os perfis.

– Refinamento da Análise Estrutural

  • Análise não linear: Para edifícios mais altos recomenda-se modelar explicitamente a flambagem local e a interação com revestimentos (ex.: FEM com imperfeições geométricas).
  • Verificação pós-flambagem: Outra estratégia é avaliar a capacidade residual da seção após a flambagem local (EC3-1-3 §5.2.2).

– “Hibridização” com elementos de classe superior ou utilização de núcleos e paredes de cisalhamento em edifícios mais altos.

A forma mais econômica de trabalhar com edifícios de maior altura em LSF é inserir elementos de aço de maior espessura (Classe 2, laminados, por exemplo) em zonas críticas, de tal forma que eles absorvam e dissipem toda a energia e as estruturas levem sejam utilizadas apenas para resistir às ações gravitacionais, posicionando esses painéis como por exemplo em cantos de edifícios ou pilares de canto e vigas formando pórticos.

Esses painéis aporticados com perfis laminados, paredes de cisalhamento e núcleo serão os elementos de contenção a todas as ações horizontais, seja sismo ou vento.

Verificações dos Estados Limites

  • Estados Limites Últimos (ELU): resistência e estabilidade sob combinações sísmicas.
  • Estados Limites de Serviço (ELS): limitação de deslocamentos para evitar danos em elementos não estruturais.

Princípios de projeto sísmico para LSF

Sistemas resistentes a forças laterais

  • Usar paredes de contraventamento: painéis revestidos com chapas de OSB ou metálicas podem atuar como diafragmas para transferir as ações horizontais.
  • Fazer ligações dissipativas: utilização de conectores e parafusos dimensionados para permitir deformações plásticas controladas.

Detalhamento para ductilidade

  • Reforço de cantos: evitar flambagem local em perfis sujeitos a compressão.
  • Espaçamento de fixadores: garantir que painéis de revestimentos atuem integralmente como diafragmas.

Análise dinâmica simplificada

Para edifícios baixos e regulares em LSF, o método de forças laterais equivalentes (EC8 §4.3.3) é aplicável:

Onde:

  • Sd(T): espectro de resposta sísmica.
  • m: massa do edifício.
  • λ: fator de correção (geralmente 0,85).

Estudo de caso: edifício residencial em zona sísmica

Rodei um exemplo com os seguintes parâmetros do projeto:

  • Localização: Lisboa, Portugal (aceleração sísmica de pico ag=2,5 m/s2.
  • Estrutura: 3 pavimentos, painéis LSF com revestimento OSB de 15 mm.

Cálculo de forças sísmicas

  • Período fundamental: T=0,15 s (método simplificado para estruturas leves).
  • Coeficiente sísmico: Sd(T)=2,5.
  • Força basal: Fb=2,5⋅180 t⋅0,85=382,5 kN.

Dimensionamento de paredes de contraventamento

  • Resistência ao corte por painel: VRd=12 kN/m (valores típicos para painéis de OSB).
  • Número necessário de painéis: 382,5 kN/12 kN/m=32 m. Esses painéis serão distribuídos ao longo do edifício.

Verificação de deslocamentos

Deslocamento máximo no topo do edifício: δ=0,015⋅h=0,015⋅9 m=135 mm.

Pesquisas recentes

Pesquisas conduzidas pela Universidade de Nápoles Federico II destacam a viabilidade do LSF em regiões sísmicas. Ensaios em mesa vibratória demonstraram que estruturas em LSF, quando bem detalhadas, apresentam resposta quase linear até altos níveis de excitação sísmica. Os principais modos de falha identificados foram o afrouxamento de parafusos e flambagem local de montantes, reforçando a necessidade de um controle rigoroso na execução.

Desafios e recomendações para LSF em zonas sísmicas

  • Flambagem local: é possível utilizar espessuras mínimas de perfis conforme EC3-1-3 (§5.2), por exemplo perfil C100 (100x50x1,5 mm) – Classe 4 com revestimento de OSB 15 mm fixado a cada 150 mm.
  • Flambagem global: conceber os elementos com pequena esbeltez global, aumentando o número de bloqueadores, por exemplo.
  • Qualidade de execução: deve haver rigor no controle de parafusos e na fixação dos revestimentos que servirão de painéis de contraventamento nos montantes definidos de LSF.
  • Interação com as fundações: deve-se adotar ancoragens e fundações resistentes ao arrancamento.

Conclusão

Estruturas em LSF são viáveis em zonas sísmicas quando projetadas com atenção à ductilidade e dissipação de energia. A adoção do Eurocódigo 8 e 3 garante segurança, desde que detalhes construtivos e verificações de capacidade sejam rigorosos.

  1. Os revestimentos sejam projetados como estabilizadores contínuos.
  2. O fator q seja ajustado para refletir a menor ductilidade.
  3. A dissipação de energia seja concentrada em elementos não sujeitos à flambagem (ex.: ligações).

A chave está em compensar a fragilidade das seções Classe 4 com estratégias de projeto que garantam redundância, estabilização e caminhos alternativos de carga. O EC8 e EC3 oferecem flexibilidade para isso, mas exigem rigor na modelagem e execução.

Referências

  1. EN 1998-1: Eurocode 8 – Design of structures for earthquake resistance.
  2. EN 1993-1-3: Eurocode 3 – Design of steel structures: Cold-formed members.
  3. Dubina, D. (2008). “Behavior and Performance of Cold-Formed Steel-Framed Houses under Seismic Action.” Thin-Walled Structures.
  4. Landolfo, R. (2017). Lightweight Steel Framed Systems in Seismic Areas: Recent Advances.
  5. Schafer, B. (2002). Local, Distortional, and Euler Buckling in Thin-Walled Columns.

Eu sou Alexandre Vasconcellos, engenheiro civil especialista em estruturas de aço pela USP, engenheiro de produção, mestre em estruturas pela Unicamp, MBA em gestão empresarial pela FIA, especialista em modelagem pela Universidade de Michigan, empreendedorismo pela Universidade de Maryland e estratégia pela Darden School. Executivo da construção com mais de 40 anos de experiência, ajudo pequenos e médios fabricantes de estruturas metálicas a aumentar sua eficiência e seus lucros.

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